Resgatando a história do Brasil através do bairro de Saracuruna
Marcadores: Duque de Caxias, história, publicada no DCNEWS
A história do Brasil é conhecida nas escolas, mas a importância de
algumas regiões, em particular, geralmente não são contadas nos livros
de história, e raramente chegam ao conhecimento da população local as
curiosidades sobre o surgimento e desenvolvimento de municípios e
bairros. Para resgatar casos interessantes, ressaltando a importância
de Duque de Caxias, a equipe do DC NEWS foi ouvir o ex-vereador Abdul
Haikal, que guarda na memória, informações importantes sobre
Saracuruna, região do 2° distrito do município onde ele mora.
Na época em que as terras eram distribuídas por Braças (antiga medida
de comprimento correspondente aos dois braços abertos, equivalente a
2,2 metros), Duque de Caxias, São João de Meriti, Nilópolis e Belford
Roxo pertenciam à Nova Iguaçu, compondo a maior região produtora de
laranja do país. Abdul Haikal lembra que, com o esgotamento das
riquezas, os colonizadores passaram a investir na agricultura, e essa
era uma região importante porque o escoamento da produção passava pelo
rio Meriti, e pelo porto do Pilar, até chegar às embarcações e ser
levada para a Europa.
"Nesse processo, Duque de Caxias enquanto distrito, parte de Iguaçu, e
depois como cidade teve papel importantíssimo por causa da sua posição
geográfica. O porto do Pilar deu uma importância estratégica à
região", explica Abdul.
A importância de Saracuruna, em particular, deve-se ao mesmo motivo. O
bairro é cortado por rios que faziam ligação com o rio Meriti e com a
Baia de Guanabara. A região fazia parte da Fazenda Nossa Senhora do
Rosário, do Barão de Iriri, que abrangia também Pantanal (Gramacho),
Pilar, Campos Elíseos, Primavera, e Imbariê, mas é difícil ter a
medida exata por causa das Braças. Depois a região passou a ser
chamada de Vila Urussaí, até ganhar o nome Saracuruna.
Haikal conta que onde ficam os sub-bairros Ana Clara e Cangulo havia
uma vegetação rasteira, habitat natural da ave Saracura, que tem
pernas longas e voo rasteiro. "Sendo que essa Saracura da região tinha
penas negras, daí o nome Saracuruna, porque a palavra una em
tupi-guarani significa negra", explica.
Em Ana Clara ainda há parte da história. As ruínas de uma das antigas
casas da época da Fazenda Nossa Senhora do Rosário estão lá, e também
de onde ficava a senzala - onde os negros eram acorrentados e
castigados. No local, também há um sítio arqueológico, por causa do
cemitério onde os negros eram enterrados.
Império
Ele nos conta que o surgimento do bairro aconteceu na época do
Império. Quando a Família Real ia para Petrópolis, as carruagens
seguiam pela atual avenida Presidente Kennedy, que foi a primeira
Rio-Petrópolis, e seguiam pela estrada Rio-Magé, para subirem a serra.
Abdul explica que por conta disso, as paradas da Corte aconteciam na
região. "Era uma viagem cansativa, por isso paravam para trocar
ferradura de cavalo, para o animal descansar. E em função dessa
parada, começou a surgiu uma pequena aglomeração, primeiro o ferreiro,
depois quem fazia um pequeno conserto".
Dessa forma, o local onde fica a Vila Urussaí passou a ter uma
atividade econômica e surgiu uma pequena comunidade, que trabalhava
para atender as necessidades dos cavalariços do Imperador. A
comunidade se consolidou.
Vila Urussaí, Cangulo e Saracuruna estão ligados ao Império. Haikal
diz que os três nomes são indígenas, e já as outras comunidades
surgiram num período pós-império, por isso receberam o nome em função
do loteamento. "As raízes da história de Saracuruna estão fincadas na
Vila Urussaí e no Cangulo", afirma.
Rede Ferroviária e Ferroviários
Com a implantação da rede ferroviária, pelo Barão de Mauá, o traçado
da rede estabeleceu a estação de Saracuruna. Com isso o fluxo do
desenvolvimento da região mudou da Vila Urussaí para o entorno da nova
estação de trem. "E é dessa forma que o transporte e as estações de
trem tem importância na vida de várias cidades e bairros. Todos os
bairros nasceram, cresceram e se desenvolveram em função das estações,
porque era muito mais fácil para o trabalhador ir à Central morando
perto da condução", diz Abdul. "Madureira, Pilar e Penha nasceram em
torno de suas estações. Com Saracuruna não foi diferente".
Na época do golpe militar, Abdul Haikal fazia parte de um grupo que
atuava tentando politizar estudantes. Segundo o ex-vereador, no
período em que João Goulart começou a ser pressionado por vários
sindicatos e entidades para promover as chamadas reformas de base -
que mexia com os interesses da elite -, começaram a se alinhar de um
lado os golpistas, e do lado de João Goulart uma série de movimentos
populares e segmentos da sociedade civil. Sendo que quando os
militares deram o golpe, pondo os tanques nas ruas, todos sumiram.
"Só ficaram, para resistir, os ferroviários. O ferroviário tinha uma
consciência política. E Saracuruna dentro do movimento ferroviário
cumpriu um papel importantíssimo porque aqui nós tínhamos o presidente
do Sindicato dos Ferroviários, Mário Barata, esse cara foi preso e
torturado pelo regime. Ele era de Saracuruna", conta.
Outro personagem citado por Abdul foi Adão Pereira Nunes, médico que
trabalhava na rede ferroviária federal e ativista político, que deu
nome ao Hospital Estadual de Saracuruna. De acordo com Abdul, a
história que os militantes mais antigos contam é que Adão Pereira
Nunes foi preso pelo exército em Raiz da Serra e quando estava sendo
transferido para o antigo Ministério da Guerra - onde é hoje o Comando
Militar do Leste, na Central - para ser interrogado.
Quando seguia de trem do quartel de Raiz da Serra para a Central, um
grupo de pessoas da rede ferroviária interceptou o trem, rendendo os
soldados e resgatando Adão Pereira Nunes. "Ele foi resgatado aqui e
dormiu aqui na casa do senhor Majest, uma figura muito respeitada em
Saracuruna", conta, lembrando que nós não cultuamos nossos heróis. "Os
grandes líderes ferroviários que contestavam o sistema frequentavam
aqui."
Abdul Haikal foi vereador de 1988 a 1992, criou a emenda que
transferiu a prefeitura de Duque de Caxias para o Jardim Primavera.
Foi subsecretário de Serviços Públicos e secretário de Transportes no
governo Washington Reis.
segunda-feira, 19 de setembro de 2011
Histórias do bairro de Jardim Primavera
A TRAJETÓRIA DO BAIRRO JARDIM PRIMAVERA: DO SONHO ELITISTA À REALIDADE POPULAR.
SANTANA, Thiago Coutinho
Graduado em Geografia pela UFF
E-mail: tcs1986@gmail.com
RESUMO
SANTANA, Thiago Coutinho
Graduado em Geografia pela UFF
E-mail: tcs1986@gmail.com
RESUMO
A análise da temática urbana de modo geral nos remete a uma variedade
de escalas, todavia os eventos que interferem na dinâmica espacial se
refletem no “lugar”, independente, da escala adotada. A área
instituída que mais se aproxima desse conceito é a que corresponde aos
limites de um bairro. O Jardim Primavera - bairro situado no distrito
de Campos Elíseos em Duque de Caxias - nos apresenta uma história
riquíssima, ratificadora das considerações iniciais, constituída em
alguns momentos por ciclos definidos de uso do solo. No transcorrer
dessas etapas, emerge um personagem central, na figura do músico
paulista Nelson da Silveira Cintra, provedor de toda infraestrutura
inicial do bairro, que o projeta como um enclave, uma área nobre, aos
pés da serra de Petrópolis, para ser uma espécie de refúgio das
elites. Cintra faz desse projeto um objetivo de vida e busca
viabilizar sua execução de todas as formas possíveis. No entanto,
algumas ações e condições espaciais e socioeconômicas gerais, para
além da escala local, apresentaram-se contrárias à execução plena do
mesmo, acarretando em conflitos e contradições que conferem uma
“pluralidade singular” ao ordenamento territorial do bairro no
decorrer de sua história, tornando-se um convite a uma estimulante
pesquisa que resultou no presente artigo.
1.1 - JARDIM PRIMAVERA: DO SONHO ELITISTA À REALIDADE POPULAR.
O bairro de Jardim Primavera, no município de Duque de Caxias, reflete
em parte o processo histórico brasileiro. A emancipação do referido
município é historicamente recente, datando de 31 de dezembro de 1943,
e a área hoje ocupada pela cidade integrava o antigo município de
Meriti, do qual Caxias era uma espécie de distrito.
Seu povoamento provém do século XVI, época das sesmarias doadas à
Capitania do Rio de Janeiro. Em 1568, Cristóvão Monteiro, um dos
grandes provedores de fazendas da região, recebeu algumas terras às
margens do Rio Iguaçu. Parte delas daria origem a Duque de Caxias.
De início, a agricultura foi a principal atividade econômica do lugar.
Concentrando-se, principalmente, no cultivo da cana-de-açúcar,
seguindo os padrões da formação espacial brasileira naquele século,
embora ainda contasse com a produção auxiliar voltada para a
subsistência - baseada em culturas como milho, arroz e feijão. Durante
o ciclo da mineração, Duque de Caxias foi um importante ponto de
passagem daqueles que se dirigiam às minas ou dos que de lá
retornavam. Assim, as atividades relativas à hospedagem, como os
pequenos dormitórios, pousadas, bem como o comércio de beira de
estrada, desenvolveram-se na região, aquecendo a economia local ao
longo do século XVIII. A possibilidade de ligação hidroviária direta
com a Baia de Guanabara tornou Caxias uma espécie de elo entre o Rio
de Janeiro e os caminhos da serra rumo ao interior, tendo sido o
antigo Porto de Estrela (hoje sub-bairro do município) o grande marco
desta função e desta época. A proximidade em relação à cidade do Rio
de Janeiro, então capital federal, bem como a expansão da mesma, que
desde aquela época trazia a futura região metropolitana a reboque, só
fez reforçar o papel de Duque de Caxias como área de entroncamento.
Nessa fase de transição, o aspecto mais relevante é a chegada da
estrada de ferro a Meriti, trazendo novas perspectivas para a política
e a economia locais e fortalecendo o jogo de interesses que sempre foi
marcante no lugar. Quanto à estrada de ferro, devemos observar que ela
reordena territorialmente o Estado do Rio de Janeiro, gerando uma nova
formação hierárquica na economia regional. Esse fenômeno se observa da
seguinte maneira: nos locais onde a estrada passará, o desenvolvimento
far-se-á de maneira mais intensa, sempre no entorno das estações; nas
localidades antes fortes economicamente por causa de seus portos -
como Estrela, Vila de Iguaçu e Porto das Caixas, em Itaboraí, todos na
Baixada Fluminense - o esvaziamento ocorre de maneira rápida, o que as
leva, em seguida, ao ocaso econômico.
Essa extensão do eixo econômico induzida pelas ferrovias, novamente
reproduz o cenário nacional e promove uma espécie de deslocamento de
progresso - se é que podemos assim chamá-lo. O certo é que ao redor
das estações ferroviárias começam a se formar grandes povoados, por
diversos fatores, dando origem - no caso específico da Baixada
Fluminense - a algumas cidades, dentre elas Duque de Caxias. Ainda
como Meriti, esta passará a sofrer por sua proximidade com a metrópole
as consequências do progresso e o inchaço populacional ocorridos no
Rio de Janeiro.
O atual bairro de Jardim Primavera, em seus primórdios, era parte
integrante de uma grande fazenda, a Luis Ferreira, que seguia os
moldes das culturas da época, passando por canaviais, laranjais e uma
pequena parte de plantação de subsistência, demonstrando, assim, a
função rural da região na época.
Em um segundo momento essa fazenda passa por um grande loteamento, e é
dividida em diversas partes, dando origem a alguns bairros do 2º
distrito de Caxias (Campos Elíseos), como Saracuruna, Campos Elíseos,
além do próprio Jardim Primavera, entre outros.
O loteamento que deu origem ao bairro foi adquirido pelo Sr. Nelson da
Silveira Cintra, em 27 de dezembro de 1945, época na qual Duque de
Caxias já havia se emancipado, mas ainda não possuía um aparelho de
Estado com prefeito e vereadores. A área do Jardim Primavera
compreendia 577.288.39 m, divididos segundo as distintas “funções
espaciais”, conforme podemos observar no quadro a seguir:
QUADRO I
• Área a ser loteada: 452.029.19 m
• Área reservada as estradas e espaço livre: 110.078.66m
• Área doada a futura prefeitura: 11.545.77 m
• Área de proteção a manancial: 3.643.77 m
Distribuição das funções por área em Jardim Primavera
Pela distribuição explicitada no quadro, fica clara a prioridade de
cunho financeiro no ato da realização do negócio, haja vista a
extensão destinada aos lotes e à especulação que se sucederia. Ficou
determinado, posteriormente, que fossem criados 451 lotes com cerca de
500 a 1500 m² em média para serem vendidos a prestações, sob condições
especiais sobre as quais discorreremos adiante.
2.1 - O SONHO DE CINTRA: UM CONDOMÍNIO DE LUXO NO 2° DISTRITO, O
JARDIM PRIMAVERA.
O Jardim Primavera vivenciou a maior parte das fases e/ou ciclos
econômicos brasileiros supracitados, entretanto, carrega consigo uma
série de particularidades que o tornam um interessantíssimo objeto de
estudo, principalmente para o ramo da geografia nas suas diversas
modalidades como a Geografia Agrária, Política, da População, Urbana
e, principalmente, daquela que remete a análise dos espaços
periféricos.
O bairro fica no centro geográfico do município, característica que
será extremamente relevante no cenário contemporâneo em razão de
questões políticas que levaram a sede da prefeitura a deixar o Centro
de Caxias para ocupar o Jardim Primavera - conforme se observa em
Santana (2010) - desencadeando uma série de transformações no mesmo.
Localizado às margens da Rodovia Washington Luis, nota-se com
facilidade sua posição estratégica como parte do caminho da mineração
citado anteriormente.
No que tange ao papel desempenhado por Nelson Cintra na região,
sabe-se que o mesmo desenvolvia diversas atividades, dentre elas,
estão a de músico do Theatro Municipal, professor de música em
Campinas e corretor de imóveis que destinava as arrecadações de suas
vendas à compra de outros imóveis em novas áreas de desenvolvimento
promissor, atuando desde então como grande agente no ramo imobiliário,
sendo essa aparentemente sua principal atividade, condizente com os
rumos que pretendia dar ao Jardim Primavera.
Independente de sua principal formação ou ramo profissional, o que se
sabe ao certo é que Nelson Cintra é o personagem mais importante dos
atores sociais que passaram por Jardim Primavera, iniciando todo e
qualquer desenvolvimento na localidade, sendo possível encontrar suas
marcas até hoje na região, embora a maioria da população local não
preserve sua memória.
No que concerne à cultura agrária desenvolvida no bairro no período
pré-loteamento, o abacaxi era o principal produto, sendo toda a
extensão da Primavera uma enorme fazenda produtora da fruta. Cintra
compra os lotes no intuito de tornar o lugar um bairro de elite,
diferenciado, que primasse pela qualidade de vida. Baseou-se na
geografia da região para desenvolver esse raciocínio, um bairro aos
pés da serra de Petrópolis, de clima agradabilíssimo, cercado de muito
verde e que certamente atrairia uma população de maior poder
aquisitivo.
Nesse sentido, o provedor do bairro passa a instalar equipamentos
urbanos no local e a iniciar um longo ciclo de inaugurações que
fizesse parecer valer a pena pagar o alto preço pedido por ele nos
terrenos da região e acentuasse as possíveis vantagens de se viver
ali. Cintra parte, então, para as obras estruturais: abre inúmeras
ruas, constrói uma escola, um posto de atendimento médico, instala
água encanada e funda o Clube Primavera, principal local de lazer e
entretenimento da região durante muitos anos. Ainda no âmbito das
realizações, ele promove a construção da primeira farmácia do local,
onde anos depois instalar-se-ía a primeira igreja, em uma
transformação do prédio da farmácia no templo de São Judas Tadeu.
Com todas essas obras, Cintra eleva os custos dos lotes e exige de
seus compradores a construção de imóveis bonitos e imponentes, que
façam jus a um bairro elitista. Essa atitude faz com que a procura por
lotes seja pequena e a ocupação se dê no entorno da estrada,
transformando-se a posteriori em uma espécie de centro do bairro, que
manterá traços dessa ocupação até os dias de hoje.
Os compradores desses primeiros lotes são em sua maioria imigrantes
europeus, principalmente poloneses, alemães, russos, austríacos e
italianos. Isso é impensável contemporaneamente, tendo em vista que
Duque de Caxias, ou mesmo a Baixada Fluminense, está estigmatizada
como símbolo da miscigenação - conceito introduzido desde a década de
40 de forma marcante naquele município, e reproduzindo também o
cenário encontrado na maior parte do Brasil.
Tais imigrantes se encaixavam no perfil proposto por Cintra de bom
poder aquisitivo, e traziam consigo a possibilidade de “branqueamento”
da população do local, já que na antiga fazenda Luis Ferreira os
habitantes eram quase exclusivamente escravos negros.
Dessa forma, aos poucos parecia que Cintra conseguiria realizar seu
sonho elitista para o Jardim Primavera, ao qual ele nomeou assim por
achar que belos nomes atrairiam bons fluidos para o lugar, além é
claro, de o bairro ter sido fundado na estação das flores.
No prosseguimento de suas realizações, Nelson Cintra também foi o
responsável pela construção da estação ferroviária do bairro, alvo de
muita polêmica, já que o mesmo a fez “por conta própria”, haja vista
que a Estrada de Ferro Leopoldina (empresa do governo que coordenava o
transporte ferroviário na época) não tinha planos para o local, por
considerar suficientes para suprir à demanda as estações de Saracuruna
e Campos Elíseos, bairros próximos ao Jardim Primavera.
Com esse tipo de atitude, em beneficio da população local e visando
seu próprio futuro, Cintra pode ser considerado um dos precursores do
clientelismo na região, apesar de muitos defenderem seu senso
comunitário. Pois em seguida se lança na vida política, chegando a
concorrer por duas vezes à prefeitura de Caxias, e desde então
formando o seu “curral eleitoral”, prática comum na região.
A estrada de ferro construída por ele foi doada à rede federal - e
entregue num evento pomposo - pelo então prefeito Duque de Caxias, Sr.
Gastão Reis [1], que ofereceria, junto à recém instalada Câmara
Municipal, o título de cidadão Duquecaxiense a Cintra, condecorando-o
com a medalha do mérito do município no ano de 1961.
Tendo Gastão como aliado, Cintra ainda inaugura a iluminação pública
do bairro, promove a visita de João Goulart ao lugar e, ao ceder o
terreno para construção do Colégio Primavera, pioneiro na região,
ganha o apoio de Heitor Combat, professor influente na política
Caxiense, de família respeitadíssima na educação do município. Ainda
assim, não consegue se eleger prefeito da cidade, por motivos escusos
na apuração das eleições, que reproduziam a política
oligárquica/coronelista vigentes no país, apresentando denúncias de
compra de votos, e falta de critério na composição do eleitorado, com
a presença de loucos votando, e a consideração de votos de inúmeros
cidadãos mortos a favor dos candidatos mais influentes, dentre outros
empecilhos que o impediram de assumir o poder em Caxias. No entanto,
outros fatores também contribuíram para inviabilizar os sonhos de
Cintra.
2.2 O JARDIM PRIVAVERA NA CONTRAMÃO DA EXPANSÃO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO
O crescimento desenfreado da cidade do Rio de Janeiro e o
consequente encarecimento do solo urbano, aliado à ocupação intensa
dos espaços no primeiro distrito do município, principalmente no
entorno da estação ferroviária, como visto anteriormente, “empurra”
uma grande massa de população em direção aos demais distritos da
cidade e a outros municípios da Baixada Fluminense. No “caminho” dessa
expansão, o Jardim Primavera de Cintra não consegue “escapar” da fuga
das populações de menor poder aquisitivo que precisavam fazer uma
moradia qualquer, por mais improvisada que fosse para fugir dos
aluguéis abusivos. Assim, o bairro “Primaveril” termina por perder
suas características originais abrindo espaços para uma ocupação
desordenada e desesperada de proletários que se refugiavam por lá. Com
a diminuição da área de cada lote e incremento do tamanho das
comunidades houve um princípio de favelização no bairro.
Ainda assim, devido a sua considerável extensão, por um longo período
o mesmo apresentará alguns vazios urbanos que desaparecerão no
decorrer do processo evolutivo que se dará até o cenário atual.
Cabe ressaltar, nesse curto ensaio a respeito dos primórdios do
bairro, que a abertura da Rodovia Presidente Washington Luis
ocasionará a decadência do transporte ferroviário da região, e mais
uma vez retratando fielmente a política adotada no Brasil, o Jardim
Primavera abandonará, ou será abandonado pela “estrada de ferro”,
passando a sua população a depender exclusivamente das empresas de
ônibus que viriam a cobrar valores abusivos nas passagens. Esse
abandono é decorrente do sucateamento da “estrada de ferro”, que deixa
de usar trens de bitola estreita, e com isso não passará mais pelo
Jardim Primavera.
Ainda assim, na década de 70, Cintra disponibiliza dois ônibus para a
população, fazendo a linha “Jardim Primavera x Caxias x Castelo”, em
um horário pela manhã e outro à noite, para levar e buscar a população
de seus respectivos trabalhos no Rio, já deixando clara a função de
dormitório assumida por Caxias desde antes de sua emancipação.
Portanto, em que pese os esforços de Cintra no sentido de construir um
enclave para a elite da região, esse é o panorama do bairro e do
município até meados da década de 70.
CONCLUSÕES
Embora a região do Jardim Primavera tenha seguido os modelos de
ocupação característicos da Baixada (monoculturas, ciclos
econômicos...), o projeto de Cintra buscou reverter essa tendência
iniciando um processo de urbanização elitista, com a chegada de
imigrantes estrangeiros de considerável poder aquisitivo.
Na proposta do provedor local, visualizamos uma tentativa incipiente
de formação de condomínios fechados, como os que proliferam atualmente
em áreas consideradas nobres de grandes cidades, cuja base seria uma
infra-estrutura sólida e a construção de casas imponentes e bem
acabadas, antecipando a proposta contemporânea de homogeneização de
classes sociais em um mesmo espaço, representada por enclaves
fortificados segundo Lavinas e Nabuco (1994) que, por vezes, formam
cidades de muros, afastadas dos Centros, em prol da referida
homogeneização.
Raffestin (1993) afirma que do poder público ao indivíduo, passando
por organizações grandes e pequenas, há atores sintagmáticos que
produzem o território. Nessa análise, depreendemos a importância do
papel de Cintra, enquanto ator individual, e reafirmamos ser deveras
ambicioso seu projeto, quando observamos suas tentativas de participar
do poder público, aumentando sua esfera de atuação. Para o mesmo
autor, o território é um espaço onde há o exercício do controle. No
caso de Jardim Primavera, tal controle centrava-se na figura de um só
homem - quando da criação do bairro - formando uma territorialidade
particular, em um primeiro momento, e a posteriori buscando a formação
de um espaço adequado às suas aspirações e preferências. Ao tentar
homogeneizar classe social e etnia em um mesmo local, promoveu,
através de sua atividade de corretor, a formação de uma área de
segregação socioespacial evidente, baseada no processo especulativo
que elevou os preços dos lotes a patamares inacessíveis para a
população “indesejada” pelas classes mais abastadas.
O Jardim Primavera desejado por Cintra se caracteriza como o lugar
do viver, nos escritos de Harvey (1982). Todavia, esse lugar projetado
como espaço de homogeneidade social, torna-se palco de uma
heterogeneidade conflituosa, haja vista que o insucesso de Cintra na
tentativa de formar um bairro totalmente elitista ocasiona o
surgimento de “dois bairros em um”, com áreas ricas e pobres
estabelecidas e a manutenção de uma variedade na composição social que
denota uma territorialidade associada ao conceito defendido por Santos
e Silveira (2001), que fornecem uma perspectiva de território onde o
mesmo é conceituado como uma unidade com diversidade.
Reforçando a hipótese de segregação socioespacial, decorrente da
“invasão” promovida pela população de baixa renda oriunda da cidade do
Rio de Janeiro e dos migrantes que chegavam de toda parte do país,
inaugurando um processo de favelização no que seria o condomínio de
Cintra. Adentramos, assim, no que seria o terceiro ciclo, o da
suburbanizacão, no qual vislumbramos uma luta de classes, com
territorialidades distintas habitando o mesmo espaço, marcado pela
segregação até os dias atuais.
Tal segregação, iniciada ainda nos tempos de Cintra, foi fortalecida
na década de 90 com a transferência da sede da prefeitura para a área
nobre de Jardim Primavera, refletindo a importância de seu papel
enquanto agente transformador do espaço e um dos responsáveis, ou
mesmo o principal deles, pelos (re)ordenamentos territoriais
promovidos na região.
Portanto, no cenário atual, configura-se um novo ciclo, o da
revitalização, acompanhada pela segregação, que ratificam o resultado
do projeto de Cintra e conferem ao Jardim Primavera uma identidade
plural, mas predominantemente popular, distante do sonho inicial, mas
que deixou traços que perduram no bairro até hoje.
Apresentação
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